Notas de um Calouro Geografia 2010

Semana do Calouro, UFPA 2010.
Criei este espaço para publicar as notas que escrevi durante o ano 2010, quando calouro da Faculdade de Geografia e Cartografia – FGC da Universidade Federal do Pará – UFPA. As notas que se seguem nesta página estão tais como as postei nas comunidades do Orkut: “Geografia Ufpa” e “CAGE-UFPA”, sendo que algumas foram postadas aqui no blog anteriormente.


Notas de um Calouro 2010

AULA MAGNA

Tentar se adaptar em um ambiente alheio a sua realidade e ainda por cima sobreviver nele é no mínimo assustador.
Passando pela Semana do Calouro, senti uma estranha sensação de ter sido lançado em uma trincheira com um rifle e algumas granadas para lutar contra um inimigo demoníaco, monstruoso: o Estado, e não numa Universidade.
Pareceu-me, naquele primeiro momento, que todo o Campus do Guamá estava como Belim logo após o término da Segunda Guerra Mundial, e que somente alguns bravos combatentes faziam a resistência, paladinos da Educação Superior a procura de novos recrutas. O discurso do aluno Rafael Saldanha na aula com o reitor pareceu-me mais um manifesto do que outra coisa. Saldanha me pareceu muito com o presidente Lula em outras épocas (nas dos discursos mais extremistas, os quais, com certeza, não foram os responsáveis por suas eleições) só faltou ele falar “Companheiros”, pois a barba já estava lá, muito mal aparada! Mas foi engraçado aqueles ataques ao Magnífico, que já estava ali com o rabinho entre as pernas devido aos escândalos referente ao Processo Seletivo Seriado 2010.
Seja com for, os mais de cinco mil calouros que ali se encontravam espalhados por todos os cantos do imponente Centro de Convensões da UFPA estavam a ponto de pedir para jogarem o desditoso reitor no meio da galera para ser linchado.
A aula magna foi um saco, concordo, só que não precisava cortar a voz do reitor daquela maneira. Eu cheguei até sentir pena do reitor. Coitadinho, ele também têm sentimentos, e claro: a falta de alguns como a vergonha, por exemplo.


Notas de um calouro- parte 2



MESA-REDONDA



Segue-se a Semana do Calouro. Universidade Federal do Pará, campus de Belém. Que espaço agigantado! Tudo para além daqueles quatro portões é desproporcional. A Biblioteca Central quase me levou às lágrimas. No duro meus caros colegas, eu fiquei muito emocionado com o acervo. Principalmente o espaço reservado a Literatura. Consegui encontrar uma obra que há anos eu procurava: “Os Demônios” de Dostoievski, livro de primeiríssima grandeza. O terceiro livro na saga do homem-deus, sendo os outros romances integrantes “Crime e Castigo” e “Os Irmãos Karamazov”. Aos fundos o maravilhoso Rio Guamá, emoldurando toda orla. O silêncio, o vento a atingir-me o corpo e a alma. Paz interior. Eu ainda não sei direito o que é a Geografia, ser geógrafo. Esse início de vida acadêmica assusta um pouco a gente. Talvez eu devesse tentar o Curso de Letras. Mas o que eu queria mesmo era me lançar nessas águas calmas e me mesclar ao rio. Ser rio talvez seja mais fácil do que ser geógrafo.
O Centro Acadêmico de Geografia – CAGE promove muito organizadamente a Semana do Calouro do Curso de Geografia 2010. Ontem a mesa contaria com a presença do reitor Carlos Maneschy, mas ele não apareceu e nem mandou representantes para justificar sua ausência. Isso foi um chute nos bagos do pessoal do CAGE e um tanto constrangedor para nós calouros. Segundo as palavras de um dos lideres do Centro Acadêmico de Geografia: “Ou aconteceu alguma coisa com o reitor ou ele não estar interessado em discutir os problemas da Geografia (curso)”. Clima chato.

Eu fiquei pensando no motivo do reitor não ter aparecido ali para um diálogo com os estudantes do Curso de Geografia. Para falar a verdade eu pensei muitas coisas, mas o pensamento que ficou mais marcado naquele momento foi que talvez o reitor não quisesse discutir conosco porque talvez ele achasse que ali naquela mesa não haveria um diálogo e sim um ataque. Talvez o reitor acreditasse que as perguntas naquela ocasião não surgissem através do debate e que elas, as perguntas, já viessem prontas e acabadas para serem lançadas em seu peito tal como mísseis. Eu estou entrando agora, sou calouro. É muito difícil nesse começo assimilar muitas coisas: as disciplinas, o horário do ônibus, o tempo que levo de viagem para chegar sem atraso a UFPA, a barba e o discurso panfletário de Saldanha, até que ponto o Forró do Vadião com suas caipirinhas da hora são prejudiciais ao meu desenvolvimento acadêmico e a até a minha própria segurança; o relacionamento do CAGE com a Reitoria e como o CAGE é visto politicamente pela Reitoria, se o CAGE é levado a sério como Centro Acadêmico que parte para o diálogo a fim de solucionar os problemas ou se parte para a mobilização dos gritos, das vais e das bandeiradas vermelhas... Enfim há muitas coisas para se aprender. Mas algumas palavras me ficarão guardadas como aprendizado de fato nessa Semana do Calouro. Palavras ditas pelo reitor Maneschy e pelo apresentador da recepção. Disse Maneschy não exatamente com estas palavras: É muito fácil chegar aqui e criticar, apontar o que estar errado. Difícil é chegar até nós e pensar conosco uma saída, uma solução para os problemas, que sabemos que são muitos aqui dentro da nossa Universidade. Depois o radialista e apresentador da recepção dos calouros do qual eu infelizmente não guardei o nome: Eu espero que vocês se dediquem aos estudos com a mesma energia que se dedicam às lutas pelos seus direitos. A Semana do Calouro me foi essencial para entender algumas coisas. Não conheci muitas pessoas e não fiz amizade com nenhuma. É que eu sou um caboclo bastante tímido e desconfiado. Veremos nas aulas que se seguirão. Que serão muitas! A questão é não pensar na extensão do caminho, senão a gente acaba se cansando antes mesmo de dá o primeiro passo. No mais, este post é apenas uma opinião. E como todo mundo sabe opinião é igual #@, todo mundo tem o seu!


Notas de um calouro - parte 3




A primeira semana de aula costuma ser empolgante. A UFPA era um campo de observação a ser explorado, ali tínhamos um universo de sentidos, e eu teria tempo suficiente para sentir e entender uma porrada de coisas. As primeiras impressões sobre a estruturação política da instituição não me foram das melhores, pelo menos no que diz respeito à maneira como elas nos foram apresentadas, tanto que pensei: “o que diabos estou fazendo aqui?”. Mas as verdades obscuras sempre que iluminadas adequadamente se mostram uma verdade clarividente. Nem sempre as coisas são iluminadas devidamente. Que o diga nós estudantes da noite, que temos que desenvolver a visão de um gato para trafegarmos por estes corredores.


Conhecemos nossos primeiros professores. Eles, numa primeira olhadela, parecem sujeitos bacanas e abertos ao diálogo, sujeitos inteligentes pra valer, não como aqueles que quererem bancar os tais sem o ser. Eles são bem diferentes daqueles professores do pólo de uma universidade em que eu cursei. A metodologia é outra, e eu certamente sou outro, que muito provavelmente vai se tornar outro até o final desse curso. Talvez eu já nem seja mais o mesmo. Talvez esses professores se mostrem o contrário disso no decorrer das aulas. Quem saberá? Talvez os veteranos...
O primeiro professor que nos deparamos naquela primeira noite foi Juan Hoyos. Eles com aquele sotaque e com aquele ar de intelectual amadurecido impôs respeito logo de cara. E como o cara explicava bem! Só o que estragou tudo foi ele ter nos enfiado goela a baixo uma quantidade absurda de textos para serem lidos num curto espaço de tempo. Textos difíceis e caducados, textos que mais afastavam um aspirante a Metodologia das Ciências Sociais do que o seduzia. Como se interessar pela disciplina? Impossibilidade. Hoyos ainda sorteou uma coletânea de textos. Se não me engano cinco. Alguns alunos foram sorteados e se livraram das altas somas das cópias. Um aluno, que foi sorteado, se ergueu e pediu para o professor sortear sua apostila, pois, segundo suas palavras, “tem pessoas que precisam mais do que eu aqui”. Bom, diferente daquilo que possivelmente o rapaz imaginava, a turma não gostou nem um pouco de sua nobre atitude para com os mais necessitados. Juan Hoyos não aceitou a proposta do rapaz, que se sentou e não voltou a tocar mais no assunto. Depois viria Giovane Mota. Os comentários a respeito de tal profissional seriam dispensáveis. Um professor que prende a atenção e nos envolve com sua retórica. Ele nos seduz a pensar com ele, e é muito bem sucedido quanto a este aspecto. Depois conheceríamos Marco Antônio Galarza com seu portunhol complicado, embora sua matéria ser muito interessante. Não tivemos aula de Ecologia naquela primeira semana, e a aula de Fundamentos Filosóficos do professor Roberto Barros foi um tanto estranha, devido seu comportamento um tanto excêntrico com divagações demoradas que pareciam divagações de gente maluca. Era como se ele ficasse offline por alguns minutos e depois voltasse a ficar online, mas assim: meio que de repente, de súbito. Chegava a meter medo na gente. No entanto, Roberto era um dos bons e só precisaria de um tempo para nos provar isso. No mais, a primeira semana de aula deu pra enganar legal. O pessoal do Centro Acadêmico deu a maior assistência para nós calouros naquela semana numa porrada de assuntos como por exemplo nos guiar até o lugar onde teríamos nossas aulas de Geociências e Ecologia.

Notas de um calouro – parte 4

CRÔNICA DE UMA TARDE CINZA
Em memória de Gabriel, jovem afogado no Rio Guamá


Se o sol nos faz arde a pele e a presença de uma mulher sensual nos encaminhar para as mais variadas sensações, não se observa o mesmo diante de uma tarde cinza que trás em seu bojo um pau d’água pai d’égua. Finais de tarde às margens de qualquer rio da nossa região sem a ilustre presença do sol morrendo dramaticamente no firmamento se é desolador. Não seria diferente às margens do Guamá.
Dias cinza nos arremete a sonos bons e a vigílias melancolicamente contemplativas.
Algumas semanas atrás, numa tarde semelhante, um jovem afogou-se nas águas desse rio, perdeu uma vida ainda por viver. Enquanto isso, à orla do “Vadião”, seus amigos choravam, os bombeiros iniciavam as buscas, a TV Liberal filmava e o dj do Super Tony ligava as caixas de sua aparelhagem para mais um forró universitário. A vida uma humana não valia merda alguma! Estávamos sempre preocupados com nossos rabos politicamente, religiosamente, socialmente, universitariamente corretos.
Meu amigo e eu ouvíamos o som das potentes caixas e olhávamos para rio. A noite já dominava absoluta e o céu não sangrou naquele dia, pois estava chorando em finas e constantes lágrimas. Certamente as cervejas e caipirinhas não desceriam por nossas goelas naquele dia. Tudo parecia cru e cruel demais. Em momento algum em senti orgulho de fazer parte daquela comunidade, aliás, o que eu sentia era nojo. Meu amigo e eu pensávamos na mãe daquele jovem ao mesmo tempo em que pensávamos nas nossas. As lágrimas, quando não se é céu, às vezes não se materializam facilmente. No entanto, por dentro a gente estar em pedaços.
Caminhávamos pelos corredores para mais uma aula de Geociências enquanto por nós passava alunos comentado o caso com uma euforia constrangedora. Era como se estivessem excitados com aquilo. O forró com o rio Guamá sangrento aos fundos teria uma atração a mais para eles naquela noite. Universitários otários.



Notas de um calouro – parte 5

POEMA DE UMA NOITE INFINITA
Para o meu grande amigo Deividy Edson




Olho para o teclado do meu PC e sinto um puta tesão.
Ouço Sepultura e estou embriagado de caipirinha.
É noite avançando para madrugada.
Hoje foi a estréia da seleção brasileira de futebol.
Brasil 2X1 Coréia do Norte.
Resultado pouco convincente.
Copa do Mundo de Futebol - África - FIFA 2010.
Como é bom respirar ar puro!
Eu estou com o saco que é para estourar com esta
vida de acadêmico de merda!
Eu hoje resolvi chutar o pau da barraca.
Talvez pela certeza de algo.
Talvez pela necessidade artística irresponsável.
Diferente do que se convencionalmente acreditou:
O artista não estar preocupado com os aplausos,
e sim com a sua mensagem a ser passada.
Os aplausos ou as vaias são indiferentes para os autênticos.
O que importa é mensagem, e se ela for transmitida de tal
forma que supere a linha de espaço e tempo, esta mensagem
foi validada como algo a ser seguido.
Independentemente dos comentários contemporâneos.
Eu estou estudando Geografia, mas amo Literatura.
Minha família no mínimo talvez fosse Letras.
Mas aqui estou e... quero aprender o máximo possível.
Há muito a aprender e há muito a ser assimilado.
Eu quero avançar.
Aprender e contribuir da melhor forma possível.
Belém, 15 de junho de 2010 às 23h33min.

Notas de um calouro - parte 6
Finalmente final de semestre

As pressões que um calouro experimenta não são das melhores, partindo de uma experiência empírica que este calouro que aqui vos escreve viveu em sua “gostosa” época de calouro 2010 do Curso de Geografia da UFPA. E olha que você só começa a falar de “experiências empíricas” a partir do momento que você começa a “degustar” das imensas somas de xérox (cópias) que você precisa tirar para ler. Dificilmente lemos livros inteiros.
Minha turma, neste semestre, só foi obrigada a ler 1 (um) livro para a última avaliação. E o professor que nos passou tal livro afirmou que certamente ele seria o único a passar um livro completo para nós lermos até a conclusão do curso (cinco anos) de Geografia. É preocupante. Muito, diga-se da passagem. Não é de se estranhar que um professor ao passar uma porrada de textos referente a sua disciplina foi vítima de uma abaixo assinado, que vergonhosamente, este aluno que aqui escreve assinou.
De fato, precisaríamos ler muito, e não haveria tempo suficiente para se adaptar. O prazo era curto. Tínhamos que nos adaptar imediatamente ou os “insuficientes” violariam com nossos históricos “virgenzinhos”.
O quanto nós estávamos preparados para encarar uma nova realidade diferente daquela a qual estávamos acostumados? O quanto nós estávamos preparados para intervir? O quanto nós desejávamos uma realidade diferente daquela convencionalmente estabelecida?
Estas perguntas são ou serão feitas por todos. Estão sendo feitas para todos desde o primeiro momento. Eu não sou o melhor aluno desta turma 2010. Nem sempre posso ler todas as apostilas. No entanto, sei o quanto elas são importantes para cada um de nós. Pudera nós avançarmos para além delas. Mas não avançamos. Não avançamos por preguiça e comodismo. Isso não é fácil de aceitar. Eu sei. Eu ainda sou assim, mas estou mudando para conseguir chegar até o final com um aproveitamento digno.
Um semestre se passa graças ao nosso imperdoável calendário. Que venha as férias e suas mais loucas propostas Eu quero aceitar todas elas sem hesitar. Esquecer e relaxar. Esquecer esta Universidade de merda com seu pessoal de merda e ser uma merda muita mais interessante. Pelo menos até antes de Agosto. Há vários tipos de merda. Assim com há vários tipos de universitários, mestres, padres, pastores, rabinos, governantes, representantes, diretores, reitores e etc. Estamos sempre contra a parede obrigados a escolher um lado. Que lado você escolherá? Eu não sei para onde correr. Por isso eu não corro. Quem me comerá primeiro? Tanto faz! Já estamos acostumados a ser fodidos. A questão é quem nos foderá melhor. Quem nos fará gozar e relaxar primeiro. 
Até o próximo semestre, meus caros colegas!



Notas de um calouro - parte 7 (Férias)

DEPOIS DE RUY MOREIRA, A ILHA DE COTIJUBA*

No céu azul salpicado de nuvens brancas, o sol furioso do mês de julho. Verão amazônico. A cidade inteira dava um jeito de escapar. Os destinos eram variados e logicamente dependeria do bolso de cada um. Só o que não valia era ficar em Belém torrando. É claro que haveria algumas pessoas que não teriam outra opção, mas escapariam nos finais de semana. Acontece que naquelas férias de julho eu estaria esgotado mental e fisicamente. Vida de calouro não é fácil, cabôco. Textos sem sal e trabalhos por cima de trabalhos; pressão, ônibus lotados, trânsito congestionado e os centavos contados. E ainda por cima a antipatia pelo curso. Naquele 1° semestre, eu rezava pelo Edital de Mobilidade Acadêmica. Enquanto o edital não vinha, eu precisaria tirar notas convincentes e aprender a suportar. Por sorte eu era um cara muito determinado, e não estava mal nestes quesitos.
E eu caminhava com uma enorme mochila em direção ao trapiche de Icoaraci. Na cabeça ainda martelava os conceitos de Reclus, La Blache, Brunhes, Sorre, George, Tricart entre outros clássicos das matrizes originárias da Geografia. “O pensamento geográfico brasileiro: as matrizes clássicas originárias”, Editora Contexto – São Paulo, 2008, do autor Ruy Moreira, certamente, era um texto de alta realização. Um texto claro, direto e bem pontuado, períodos curtos que não nos perdiam, mas antes nos levavam para uma leitura prazerosa, sem ser superficial. Ruy Moreira sabia como usar as palavras e havia nele quase paixão e ardor. Isso me fora um descoberta agradável. A Geografia parecia ter bons escritores. (E eu ainda estava por conhecer Milton Santos).
Embarco em um pequeno pô-pô-pô lotado. Desatracamos do trapiche de Icoaraci e navegamos pelas águas calmas daquela manhã de sol a pino, em direção a Ilha de Cotijuba. Eu precisava de descanso e algumas ressacas.

Notas de um calouro – parte 8

DE VOLTA PARA O GUAMÁ

Agosto. Mês de voltar à universidade. Descubro que alguns colegas ficaram pelo caminho. Voltar a trabalhar a construção das bases do meu conhecimento em geografia. Ler e escrever por outro viés. Até o sol brilha diferente numa manhã de rematrícula. Faculdade de Geografia e Cartografia. É duro confessar, mas este negócio de universidade acaba por envolver a gente. Até bermudão, sandália, óculos de armação afrescalhada e mochila eu estou usando; minha barba esta crescida e meus cabelos idem. Eu estava virando um acadêmico de merda!, viciando-me em xérox, flertando com Marx e me estufando todo para falar de Milton Santos como se o mesmo fosse o deus da Geografia e seus livros a própria bíblia. Por sorte seríamos atacados e reduzidos a pó por Yves Lacoste e J. W. Vesentini. Os caras não economizavam palavras, abordavam a problemática de forma direta. Sem voltas, sem papas na língua. Não que Santos fosse ruim, muito longe disso, não é à toa que o cara é mais que um santo, é Santos. Quantos santos formam um deus? Milton certamente chega perto desse resultado. Mas havia outros, e esses outros eram igualmente fascinantes em suas abordagens. A Geografia era uma ciência cheia de problemas para ser resolvidos, cheias de lacunas a ser preenchidas, cheia de embates e explosões, um verdadeiro campo de guerra. Terreno fértil para criação e superação. E nós estávamos ali no meio disso tudo. O segundo semestre não seria fácil, mas se mostrava bem melhor do que o primeiro. Estávamos mais adaptados as xérox, as exigências e as bibliografias. Só Quani caiu como uma bomba no meio de nós, calouros. O texto era um mingau de conceitos, ou melhor, um Frankenstein. Tão horrível quanto, se bobear mais ainda. Mas havia uma lógica naquilo tudo e o nosso trabalho seria achar essa lógica. Entender o monstro para não reproduzir monstruosidades.

Notas de um calouro – parte 9

OS VADIOS DO VADIÃO



O texto de Quani não era para brincadeira. Impossibilidade de entendimento numa única leitura. Aquele monstro de conceitos ainda ia desgastar muito a minha já fodida visão (miopia).
Por sorte tínhamos o vadião todas às quintas e sextas. Podíamos até não ter aula, mas o forró era garantido. Coisas de UFPA. E assim como no 1º semestre, o 2° semestre tornou-se repletos de forrós, que a bem da verdade forró é o que pouco se ouve ali. Mandamo-nos pra lá, meu “amigo” indígena e eu. Aniversário de não sei quem, amigo do meu “amigo”. Bebida farta. Som alto, melody escroto, um monte de gente se remexendo feitas cobra na areia quente e cachaça misturada com o sangue de satanás. Era preciso beber bastante para aguentar aquela farsa toda. Eu não gostava daquele amontoado de gente, no entanto, gostava das biritas, gostava do rio vizinho e do vento que vinha dele. Era bom para clarear as ideias, e de alguma forma se sentir parte de um todo que não fosse aquele todo de gente insuportavelmente pseudo-felizes, pseudo-intelectuais, mas de um todo que de alguma forma nos afastamos para torná-lo recursos naturais às necessidades do capital. Meia hora depois eu estava mais bêbedo do que todos os vadios do vadião, juntos. É claro que minha noite só poderia acabar em merda, ou melhor, eu na merda.
Resultado: meu “amigo” indígena, que só bebe cerveja, se mandou para uma festinha particular na casa do aniversariante. Enquanto a este calouro? Bom, ficou completamente doido, sem noção de espaço e tempo. Vagando pela UFPA sem saber quem era, enquanto os guardas davam um jeito de não deixá-lo se jogar dentro do rio. Eu havia bebido alguma coisa a mais que batida: eu havia bebido o meu juízo. Moral da história? Sugiro uma: nunca beba da batida de estranhos, você nunca sabe a mistura que pode haver ali. Mas você pode sugerir outras. 

Notas de um calouro – parte 10

Outubro longe do Vadião
Seja como for, as coisas pareciam menos confusa agora. Afastar-me do Vadião foi a melhor coisa que fiz durante todos estes fodidos meses de calouro de Geografia. Sim, pois, caros colegas e futuros calouros, é preciso saber separar as coisas. O Vadião é um lugar ótimo para se distrair, mas algumas pessoas acabam esquecendo de entrar na sala de aula nos dias de forró. Concordo que para nós do turno da noite a tentação seja bem maior. O som e as bebidas bem ali pertinho do bloco e a gente tendo que assistir aula. Paciência. Houve calouros 2010 que reprovaram geral e vão ter que reiniciar o curso em 2011, embora ainda seja possível vê-los nos forrós semanalmente. Outros escaparam por pouco. Eu, inclusive. Aos futuros calouros: muito cuidado com o Vadião.


Notas de um calouro – parte 11

NOVEMBRO DECUMFORÇA
O mês de novembro de alguma forma nos atingiu decumforça, parente. Os trabalhos eram muitos, as provas estavam em cima e ainda havia uma porrada de textos pé-no-saco para ser comido, digerido e vomitado em outros textos. Quaini continuava-nos sendo um tarado ensandecido por conceitos de defuntos dos quais muitos nunca sequer tínhamos ouvido falar: Almagià, Varenius, Gambi, Buffon, Coquebert, Voney. Difícil saber onde começava e onde terminava o Quaini propriamente dito. Fácil de perdermo-nos dentro dos imensos parágrafos labirinticamente pontuados. O autor procurava interpretar e explicar os períodos do progresso desse ramo da ciência, fazendo um apanhando histórico, que não necessariamente estava dentro da história do pensamento geográfico, pois, para Massimo Quaini, a história da Geografia Humana é parte de uma história maior: a história da civilização ocidental. Um texto para ser lido e relido, sem dúvida. Espero não levar bomba dessa disciplina. Mas também novembro trouxe algo bacana. Trouxe-me a Reserva Indígena do Rio Guamá da Tribo Tembé e a Reserva Extrativista de São João da Ponta. A vida de calouro pode ser bastante emocionante se você ousar para além dos limites geográficos de sala de aula. É você conferir, entender conceitos geográficos, tanto humanos quanto físicos, a relação intrínseca dos mesmos bem ali na sua frente. Pelo que parece teremos bastante trabalhos a este respeito. Isso será legal.
Final de ano é melancólico, parente. A gente só pensa em não se foder nas disciplinas.


Notas finais de um calouro 2010

Aos calouros do Curso de Geografia 2011

Quando pela primeira vez escrevi estas notas de um calouro 2010, foi com o intuito de atingir não os veteranos, mas a vocês que viriam depois. Narrei minhas primeiras impressões a respeito do curso de Geografia de forma bastante pessoal. Começando com a Aula Magna até a presente nota. Não sei de que forma estas minhas notas podem ajudá-los nessa longa caminhada, na qual eu ainda estou engatinhando. Mas sei que cada um tem sua própria forma de encarar a realidade. Espero, de verdade, que vocês também se expressem, pois “palavras e idéias podem mudar o mundo”. Que façamos desta nossa comunidade um espaço aberto ao debate, à troca e a soma de experiências. E por que não uma válvula de escape? Haverá muita pressão, caro calouro. Um espaço para além dos informes sem vida. Em busca de um curso de Geografia mais vivo, dinâmico, quente e excitante. Garanto que a Geografia vai lhe conquistar. Sempre cheias de problemas, ela sempre estará nos provocando à busca de possibilidades. Ela sempre estará exigindo o mais de você. E você dará tudo de si. Porque se realmente procurar entendê-la, vocês serão alunos apaixonados.
Muitas de minhas concepções mudaram no decorrer deste curso, outras se reafirmaram, se consolidaram. Minhas Notas de um Calouro 2010 se findam aqui desejando muito sucesso a todos vocês que entraram agora: Calouros de Geografia 2011! Agora é com vocês! Parabéns e sejam muito bem vindos.
Também agradeço por esta maravilhosa comunidade, que de alguma forma me ajudou a aliviar a pressão e a me localizar dentro do curso. Que façamos mais uso dela.