domingo, 18 de agosto de 2013

30 dias em São Paulo - Dias 12 e 13


17 e 18/08/2013 – DÉCIMO SEGUNDO E TERCEIRO DIA (FINAL DE SEMANA) - Partimos um tanto quanto sem rumo no finalzinho da tarde desse sábado. Kamila e eu. Ao chegarmos na Estação Butantã, encontramos com o parceiro da graduação de Geografia daqui da USP, que gentilmente aceitou dividir seu apartamento comigo no CRUSP. Ele nos informou que estava tendo alguma coisa no vale do Anhangabaú naquele sábado. Era pra lá que minha parceira e eu iríamos então.
 Descendo na Estação República seguimos para a Praça da República, onde estava acontecendo uma feira de comidas japonesa. Não sabíamos exatamente o caminho para o vale Anhangabaú e como não víamos nenhum policial ou guarda também não tivemos ganas de perguntar aos transeuntes sempre apresados e desconfiados. E assim seguimos pela Av. Ipiranga até dobrarmos no rumo da Rua 24 de maio. Já era noite, mas o movimento continuava forte naquelas ruas. Foi quando avistamos a lateral de um prédio bastante diferenciado das construções de concreto retangular bem no final de 24 de maio. Pensei que se tratasse de uma igreja e convidei Kamila para seguirmos até lá. Para nossa surpresa tratava-se do Theatro Municipal de São Paulo com sua estrutura oponente. Ficamos apreciando os detalhes daquela construção que recebia um espetáculo naquela noite. Dali, avistamos o viaduto do Chá, um dois viadutos mais importantes do Centro de São Paulo, e mais embaixo o Vale do Anhangabaú, lugar onde passava um importante rio de mesmo nome, hoje canalizado. De fato estava acontecendo um evento ali. Mas ainda estava cedo demais tanto que não havia quase ninguém. Aproveitamos para tirar fotos no viaduto.
Um pouco mais adiante estava o prédio da Prefeitura de São Paulo. Atravessamos e seguimos pela rua Direita, que naquele horário estava fechando as portas das lojas, embora ainda houvesse muitas abertas e diversos vendedores ambulantes espalhados pelo meio da rua. E mais uma vez Sampa nos surpreende.  Ao final da rua Direta surgia a Praça da Sé. Um artista de rua tocava um teclado e cantava rodeado de muitas pessoas. Nunca havia visto tanta gente desamparada numa praça antes. Logo de cara fomos abordados por um morador de rua que pedia com muita sinceridade dois reais para comprar cachaça justificando que a noite esta muito fria e que a bebida era a vida dele.
Era como se toda a beleza daquela suntuosa Catedral, a maior de São Paulo feita em etilo gótico modificado, fosse minimizada diante de tanta dor, sofrimento, tristeza e desamparo. Kamila sentia receios e queria sair dali. E assim fizemos o mesmo caminho de volta. Já na Av. Ipiranga, seguimos por uma rua onde havia uns bares e uns restaurantes. Tratava-se da Av. São João que também resolveu nos surpreender naquela noite. Encontramos coincidentemente os colegas PROCAD da pós-graduação de Geografia/UFPA, que ficarão em Sampa em missão de estudos até o final do ano. Eles estavam sentados em um bar conversando. Sentamos junto a eles e comentamos o fato daquela grande coincidência. Também eles nos lembraram do fato de estarmos na esquina mais famosa do Brasil, a Av. Ipiranga com a Av. São João. Em seguido tiramos uma foto junto a placa de sinalização das avenidas e seguimos para jantar em um rodízio.
Seguindo pela Av. Ipiranga, pegando a Rua da Consolação, atravessando bem de frente com a Igreja da Consolação e caminhando por toda a extensão da Praça Roosevelt, você acaba por alcançar a Rua Augusta.
A Rua Augusta é uma das ruas mais populares da cidade e reuni jovens e gostos de todos os gêneros. É considerada um bom resumo da pluralidade paulistana. Bares, casas de espetáculos, restaurantes direcionados para as mais variadas tribos urbanas. Seguimos por sua extensão até a Av. Paulista, sempre notando a diversidade de público que aquele espaço apresenta. Os estabelecimentos são sempre muito requisitados, tanto que você percebe filas imensas para entrar nas várias casas de show que existem ali. Percebem-se muitos jovens consumindo as calçadas da Rua, talvez, por não ter dinheiro para frequentar as baladas ou talvez por preferir assim. De todo  modo, existe todo um comércio ambulante para atender essa clientela numerosa. Carros com porta-malas improvisando bares vendem bebidas de todos os tipos. Senhores empurrando seus carrinhos de mão se revessam em vários pontos da Rua vendendo suas bebidas. Carros de lanches e churrasqueiras com seus espetinhos assados se pretendem tira-gostos para os consumidores que se espalham pelas calçadas da Augusta. Um público diferenciado com um serviço diferenciado. Outro importante personagem da noite da Augusta é o “catador de latinha”, tão comum nas portas de baladas e manifestações públicas. Sem esquecer o vendedor de drogas, que atendem tanto o público das calçadas quanto ao público das boates.
Mais adiante, uma jovem que bebeu demais, dança e grita em cima da carroceria de um caminhão baú. Visivelmente transtornada, ela corre, se joga sobre o capô e por alguns centímetros não caí. Muitas pessoas que esperam na fila para entrar na boate acompanham aquilo tudo com um inexplicável prazer, pedindo para a garota pular. Seguimos no rumo da Av. Paulista.
Próximo das 9 horas da manhã do domingo, Kamila e eu saímos para conhecer o Parque do Ibirapuera. Mas nosso destino acabou sendo alterado quando eu resolvi conversar com alguns moradores de rua que habitavam debaixo de um viaduto. Eram mais de dez pessoas entre homens e mulheres enrolados em sujos edredons com os olhos cheios de desesperança e sofrimento. Eu não entendia porque eu estava ali. Quando o líder do grupo veio até mim e perguntou o que eu desejava eu olhei dentro dos olhos dele e disse que queria conversar sobre como eles vivem. Os demais que estavam deitados permaneceram deitados. Olhavam com muita desconfiança para mim.
- É que eles pensam que você é da polícia – explicou-me o líder.
Eu neguei. Disse que estava ali a estudos e que era de Belém. Isso ascendeu neles uma espécie de curiosidade. Kamila estava muito nervosa e só mudou de sentimento quando saímos dali na companhia do líder para comprar pão com mortadela para doarmos pra eles. De volta para debaixo do viaduto, todos comiam seus pães com mortadelas satisfeitos e muito desejosos de acreditar que de fato minha amiga e eu não erámos policiais. Conversamos durante umas duas horas de tempo. Kamila estava muito emocionada com aquela experiência. O líder a chamou para conversar com as mulheres que estavam deitadas ali. Eu fiquei conversando com os homens que me explicavam sobre suas vidas e de como era triste e desumano viver naquela situação. Mas eles haviam aprendido a se conformar. Que ainda havia fé neles. Não demorou muito para o primeiro morador se sentir a vontade com nossa presença e começar a enrolar um cigarro de maconha enquanto outro mais afastado dava um jeito de acender uma pedra de crack. Nossas entrevistas ali já podiam ser encerradas. Debaixo daquele viaduto funcionava uma “boca de fumo”. E isso se evidenciou quando os clientes bem arrumados começaram a aparecer nos lançando olhares interrogativos. Certamente achavam que éramos viciados também em busca dos produtos que eles ali iam comprar. O líder estava deitado agora e me olhava e sorria.
- Essa é a nossa vida – falou-me ele com um sorriso no rosto.
Era hora de sair do mundo real e voltarmos para o nosso mundo. Kamila e eu fomos acompanhados pelo líder até o metro. Despedimo-nos dele e agradecemos pelo aprendizado.
(Walter Rodrigues)


Esta postagem faz parte dos relatos das experiências de um estudante paraense em São Paulo em ocasião de um intercâmbio feito entre os cursos de Geografia da UFPA/Belém e o curso de Geografia da USP/Butantã. As postagens serão equivalentes aos dias vivenciados, como numa espécie de diário de bordo. Os textos se propõem a ser sintéticos e informativos. Dessa forma, objetivamos gerar resultados e informação sobre essa interessante modalidade de aprendizado partindo da percepção do estudante sobre o novo mundo que se desvenda diante de seus sentidos diariamente. No total serão 30 dias em São Paulo, morando no Condomínio Residencial da USP, o CRUSP. 
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Fontes consultadas: